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sexta-feira, 18 de julho de 2008

Pudor Espiritual

Não nos é possível revelar todo o nosso ser, nem outros seriam capazes de apreendê-los. Peregrinamos juntos na meia-luz que não permite distinguir nitidamente os traços um do outro. Só de tempos em tempos, através de incidentes que nos toquem de perto, ou graças a uma palavra proferida entre nós, subitamente ele se nos torna visível a nosso lado, como que sob a luz de um clarão. Então vemo-lo tal qual é. Em seguida, tornamos a caminhar juntos, por longo tempo, na escuridão, procurando em vão relembrar os traços do outro.
Temos de conformarmo-nos com o fato de constituirmos um mistério um para o outro. Conhecer-se mutuamente não quer dizer que se saiba tudo um a respeito do outro, mas que se tenham amor e confiança recíprocos, e uma fé mútua. A criatura humana não deve ter a pretensão de querer violar a alma do seu semelhante. É falta de delicadeza analisar os outros (...). Não existe só um pudor físico, mas também um espiritual, que é mister respeitar (...). Transmite da tua vida interior o mais que puder àqueles que contigo trilham o mesmo caminho, e aceita como um dom precioso aquilo que te devolvem em troca.
Desde a mocidade, talvez devido ao meu natural retraimento, eu alimentava um respeito espontâneo perante a vida espiritual do meu semelhante. Esse respeito, com o tempo, aprofundou-se mais e mais, principalmente depois de verificar quanto sofrimento, quanta miséria e alheamento são causados pela pretensão dos homens de lerem na alma do próximo como num livro de sua propriedade, e pelo fato de quererem saber e compreender onde, antes, deveriam ter fé no próximo. Não acusemos falta de confiança naqueles que amamos quando não nos permitem, a toda hora, vasculhar-lhes todos os recantos do coração. Sim, até certo ponto pode-se dizer que, quanto mais intimamente nos conhecemos, mais misteriosos nos tornamos uns aos outros. Só quem respeita a vida interior do próximo pode, realmente, agir sobre ele.
Por isso, sou de opinião que ninguém deve revelar da sua vida interior senão aquilo que gostaria de revelar espontaneamente. Tudo que podemos fazer é deixar os outros adivinharem a nossa vida espiritual, como nós adivinhamos a deles. O que importa é a luta no sentido de que a nossa luz interior nunca se apague. Sentimos essa mesma luta um no outro, porque a luz interior, quando existe dentro de alguém, transparece e se irradia. Então nos reconhecemos mutuamente, mesmo na escuridão, enquanto caminhamos lado a lado, e não haverá necessidade de um apalpar o rosto do outro e arrancar-lhe os segredos do coração.
Albert Schweitzer
*****
(Foto - desconheço autor)

2 comentários:

Rose disse...

Um lindo texto, Benja!
Muito material para reflexão!...
Tenha um dia de paz!
Carinho e gratidão,
Rose.

Ela disse...

O texto é excelente.
Recorto a parte que diz:
"Transmite da tua vida interior o mais que puder àqueles que contigo trilham o mesmo caminho, e aceita como um dom precioso aquilo que te devolvem em troca."

Me vejo assim, transmitindo sempre o que tem aqui dentro.
Por isto que cuido muitooo do que cultivo aqui.

abraço

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